Volver a Índice

Capítulo 10

Gestão da componente respiratória

QUAL O ENVOLVIMENTO RESPIRATÓRIO NO DOENTE COM DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE?

M. Cols Roig

Na DMD, o pulmão é inicialmente saudável, ocorrendo o envolvimento respiratório em resultado da fraqueza muscular progressiva, a qual afeta a vários níveis:

Nas fases avançadas, a fraqueza da musculatura orofaríngea levará à disfagia, com repercussões pulmonares nos casos mais graves, sob a forma de síndrome de aspiração crónica. Isto pode ser agravado pelo refluxo gastroesofágico (RGE)5.

COMO FAZER O ESTUDO DA FUNÇÃO PULMONAR NO DOENTE COM DMD?

M. Cols Roig

O acompanhamento pneumológico deve ser precoce, com uma abordagem preventiva e proativa das complicações respiratórias. Alguns autores recomendam um acompanhamento anual após o diagnóstico, embora normalmente não seja necessária qualquer ação específica durante a fase ambulatória, exceto se surgir SAS. O acompanhamento após a perda da ambulação é essencial. Os parâmetros a serem monitorizados (regra geral, semestralmente) em consulta são os seguintes:

Em cada consulta, deverá monitorizar-se a somatometria, a oximetria de pulso e, nos doentes com um padrão restritivo estabelecido, os níveis de dióxido de carbono (CO2) devem ser monitorizados por capnografia e/ou gasometria. Os sinais e sintomas sugestivos de TRS devem ser questionados e deve ser realizado um estudo do sono quando estes estejam presentes e/ou quando os exames anteriores o indiquem. Deve ser feito o despiste dos sintomas sugestivos de disfagia e/ou RGE e o controlo da vacinação do doente (nomeadamente da vacina contra a gripe e da vacina antipneumocócica) e deve ser aconselhada uma abordagem proativa com intensificação da tosse assistida e cobertura antibiótica precoce, em caso de processos respiratórios intercorrentes11.

QUAIS AS TÉCNICAS DE FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA MAIS RECOMENDÁVEIS PARA A DMD?

E. del Campo García-Ramos

O principal objetivo da fisioterapia respiratória é mobilizar as secreções das vias respiratórias quando os mecanismos de limpeza brônquica (cílios, tosse, ventilação) estão alterados.

No caso da DMD sabemos que estes mecanismos ficam alterados devido à perda progressiva da força dos músculos respiratórios e à deformação da caixa torácica7. Assim, as técnicas que iremos utilizar terão como objetivo colmatar estas deficiências.

Todas estas manobras serão aplicadas individualmente, adaptadas a cada pessoa e à situação de cada doente desde o início dos sintomas respiratórios (perda da função respiratória) ou até um pouco mais cedo. Devem ser sempre realizadas por um fisioterapeuta especializado e a família e/ou os cuidadores devem ser treinados nas mesmas12.

As técnicas que iremos utilizar dirigirseão principalmente ao seguinte13:

QUANDO E COMO TRATAR O DOENTE COM DMD COM SUPORTE VENTILATÓRIO?

M. Cols Roig

A VMD tem mostrado melhorar a qualidade de vida dos doentes com DMD, diminuindo também a morbilidade e a mortalidade precoce em doente com DMD1. Portanto, o início da sua aplicação deve ser eletivo e precoce, perante a presença de SAS, HN e/ou hipercarbia diurna. Vários autores consideraram critérios de início os seguintes: a) estudo do sono com CO2 expirado (EtCO2) ou transcutâneo (TcCO2) > 50 mm Hg ≥ 2% do tempo total de sono (TTS), EtCO2 ou TcCO2 10 mmHg superior ao valor de base em vigília ≥ 2% TTS, saturação de oxigénio (SpO2) ≤ 88% durante ≥ 2% TTS ou cinco minutos consecutivos, índice de apneia hipoapneia ≥ 5; b) gasometria indicativa de hipercarbia diurna (CO2 > 45 mmHg) ou HN (excesso desde a base > 4); c) SpO2 em vigília < 95%; d) provas funcionais respiratórias com CVF < 1l, CVF < 50% e/ou PIM inferior a -60 cmH2O; e) infeções respiratórias ou atelectasias recorrentes, e f) preparação para procedimentos cirúrgicos em doentes de risco (por exemplo, cirurgia escoliótica)1,12,16,17.

A VMD nãoinvasiva (VNID) durante o sono é eletiva. Recomenda-se o uso de dois níveis de pressão, com frequência respiratória de resgate. A pressão positiva contínua nas vias aéreas é limitada nesta população, devido à evolução para HN e ao risco de apneia prolongada12.

A interface nasal é geralmente a interface eletiva, pois facilita a fala, é menos claustrofóbica e é mais eficiente na SAS. A interface buconasal ou facial é uma alternativa quando é impossível evitar vazamentos bucais, embora implique um risco de aspiração em caso de vómito e aumente o espaço morto18.

Se, apesar da boa adesão, o doente apresentar hipercapnia, hipoxemia e/ou dispneia em vigília, bem como infeções respiratórias recorrentes, é recomendável acrescentar suporte ventilatório diurno12. A VNID diurna pode ser facultada com ventilação a pedido, através de um bocal preso à cadeira elétrica por um braço de metal.

A VMD invasiva é reservada para os casos em que a VNID é contraindicada ou ineficaz, uma vez que a traqueostomia envolve comorbilidades específicas e potenciais complicações graves e a necessidade de um cuidador treinado para a administrar 24 horas por dia, com significativas repercussões sociais e económicas.

No doente que cumpre a indicação para VMD, a administração isolada de oxigenoterapia está contraindicada, dado o risco de hipercarbia progressiva, apesar da normoxemia. Pode ser segura, se administrada em conjunto com a VMD e se se monitorizarem os níveis de CO212,18.

BIBLIOGRAFIA

1. Phillips MF, Quinlivan RC, Edwards RH, Calverley PM. Changes in spirometry over time as a prognostic marker in patients with Duchenne muscular dystrophy. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164:2191-4.

2. LoMauro A, Romei M, Gandossini S, Pascuzzo R, Vantini S, D’Angelo MG, et al. Evolution of respiratory function in Duchenne muscular dystrophy from childhood to adulthood. Eur Respir J. 2018;51(2):1701418.

3. Camela F, Gallucci M, Ricci G. Cough and airway clearancein Duchenne muscular dystrophy. Paediatr Respir Rev. 2019;31:35-9.

4. LoMauro A, D’Angelo MG, Aliverti A. Sleep disordered breathing in Duchenne muscular dystrophy. Curr Neurol Neurosci Rep. 2017;17(5):44.

5. Birnkrant DJ, Bushby K, Bann CM, Apkon SD, Blackwell A, Brumbaugh D, et al. DMD Care Considerations Working Group. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 1: diagnosis, and neuromuscular, rehabilitation, endocrine, and gastrointestinal and nutritional management. Lancet Neurol. 2018;17(3):251-67.

6. Neve V, Cuisset JM, Edme JL, Carpentier A, Howsam M, Leclerc O, et al. Sniff nasal inspiratory pressure in the longitudinal assessment of young Duchenne muscular dystrophy children. Eur Respir J. 2013;42:671-80.

7. Sheehan D, Birnkrant D, Benditt JO, Eagle M, Finder J, Kissel J, et al. Respiratory management of the patient with Duchenne muscular dystrophy. Pediatrics. 2018;142(s2):S62-S71.

8. Hull J, Aniapravan R, Chan E, Chatwin M, Forton J, Gallagher J, et al. British Thoracic Society guideline for respiratory management of children with neuromuscular weakness. Thorax. 2012;67(Suppl 1):i1-40.

9. Toussaint M, Steens M, Soudon P. Lung function accurately predicts hypercapnia in patients with Duchenne muscular dystrophy. Chest. 2007;131:368-75.

10. Bach JR, Saporito LR. Criteria for extubation and tracheostomy tube removal for patients with ventilatory failure. A different approach to weaning. Chest. 1996;110(6):1566-71.

11. Cols Roig M, Torrent Vernetta A. Complicaciones respiratorias y seguimiento del paciente neuromuscular. Protoc Diagn Ter Pediatr. 2017;1:357-67.

12. Birnkrant DJ, Bushby K, Bann CM, Alman BA, Apkon SD, Blackwell A, et al Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 2: respiratory, cardiac, bone health, and orthopaedic management. Lancet Neurol. 2018;17(4):347-61.

13. Chatwin M, Toussaint M, Gonçalves MR, Sheers N, Mellies U, Gonzales-Bermejo J, et al. Airway clearance techniques in neuromuscular disorders: A state of the art review. Respir Med. 2018;136:98-110.

14. Chatwin M, Simonds AK. Long-term mechanical insufflation-exsufflation cough assistance in neuromuscular disease: patterns of use and lessons for application. Respir Care. 2020;65(2):135-43.

15. Meric H, Falaize L, Pradon D, Lacombe M, Petitjean M, Orlikowski D, et al. Short-term effect of volume recruitment-derecruitment manoeuvre on chest-wall motion in Duchenne muscular dystrophy. Chron Respir Dis. 2017;14(2):110-6.

16. American Thoracic Society Documents. Respiratory care of the patient with Duchenne muscular dystrophy. ATS consensus statement. Am J Respir Crit Care Med. 2004;170:456-65.

17. Harper CM, Ambler G, Edge G. The prognostic value of pre-operative predicted forced vital capacity in corrective spinal surgery for Duchenne’s muscular dystrophy. Anaesthesia. 2004;59(12):1160-2.

18. Martínez C, Cols M, Salcedo A, Sardon O, Asencio O, Torrent A. Tratamientos respiratorios en la enfermedad neuromuscular. An Pediatr (Barc). 2014;81(4):259.e1-9